a indústria de mangás e seu reflexo na vida humana
Há alguns meses, comprei o one-shot Decadência, do autor Inio Asano. O mangá foi publicado aqui pela editora JBC em 2023. Desde o anúncio, senti uma enorme vontade de adquirir e ler essa obra. Demorei um pouco para fazê-lo, mas finalmente pude ler e me surpreender com a genialidade de Asano.
É de conhecimento geral dos fãs do mangaká que Inio Asano utiliza muito o recurso de “recorte da realidade” para desenvolver suas narrativas. Isso significa que seus personagens e suas tramas giram em torno de algo real, “tangível”. Por mais que ele possa enveredar por um caminho de alienígenas morando acima do Japão, por exemplo, ele ainda mantém o pé no chão com suas inúmeras críticas ácidas acerca da sociedade e do funcionamento do mundo.
Esse é, em particular, um dos pontos que mais me faz admirar esse autor e, aliás, o que o fez se tornar meu mangaká favorito desde que conheci o título Boa Noite Punpun, lá em meados de 2017/2018. Além disso, gostar das narrativas propostas por Asano é quase como pertencer a um nicho específico. Suas histórias não são felizes nem esperançosas. Muito pelo contrário: sempre carregam o fator da melancolia e da depressão.
Sendo assim, é quase como se você precisasse ser o público-alvo ideal para conseguir absorver as ideias do autor. Pessoalmente, sempre tive uma inclinação acentuada para esse tipo de narrativa mais realista e, até certo ponto, letárgica. Aqui em Decadência, isso é o que mais você encontrará. Então, se você também é um entusiasta de histórias assim e um grande fã de Inio Asano, Decadência pode ser uma boa recomendação para você.
O início do fim em Decadência
O mangá nos apresenta a um personagem chamado Fukazawa, um renomado mangaká responsável pela serialização de uma história que durou anos e alcançou grande sucesso. No entanto, após terminar sua primeira obra, ele vive momentos inquietantes ao tentar encontrar uma nova ideia para a próxima série, enquanto se depara com um casamento prestes a terminar e com questionamentos sobre como a realidade cruel da indústria foi dissolvendo seu amor pelos mangás.
E esta é a primeira grande crítica que encontramos em Decadência. Por meio da perspectiva fria e depressiva de Fukazawa, temos um relato nu e cru de como a indústria dos mangás funciona. Claro que essa visão não se restringe somente a esse contexto, podendo ser elevada a outros níveis de debate. Todavia, o ponto crucial aqui está justamente na maneira como a indústria do mangá enxerga o público.
Criador de conteúdo e aquele que consome o consome
Neste aspecto, existe um abismo entre o público e o criador. Enquanto Fukazawa aparenta ser um autor mais sério e focado no desenvolvimento crítico, ele se vê em uma situação problemática ao perceber que o que o mercado realmente busca são futilidades. Afinal, o que vende não são exatamente ideias revolucionárias, mas sim o “simplório” que faz com que as pessoas esqueçam da vida que levam e busquem uma zona de conforto.
Além disso, justamente por estar em contato direto com algo que vai contra aquilo em que ele acredita, Fukazawa nos ensina uma lição valiosa: é possível trabalhar, e até ser muito bom, em algo que não nos dá prazer. Pessoalmente, acredito que isso é um suicídio profissional e mental, uma vez que investimos nosso tempo e esforço em algo que não nos traz satisfação, apenas nos deprime e nos afunda cada vez mais. No entanto, a ideia aqui é mostrar que isso acontece e os efeitos que causa na vida de uma pessoa.
O efeito das redes sociais no comportamento humano
É difícil mensurar aqui todos os detalhes que Decadência carrega. São muitos pontos relevantes e críticas pertinentes. A melhor opção, sobretudo, é realmente pegar o mangá e ler. Porém, o objetivo deste texto é trazer algumas dessas críticas destacadas na obra para comprovar, mais uma vez, a genialidade de Asano. Também, nos fazer refletir acerca da vida e de suas nuances.
Em uma das conversas com seu editor, Fukazawa menciona que as redes sociais são apenas uma idiotice sem sentido, que idiotiza as pessoas e, ao mesmo tempo, as manipula a fazer o que as grandes indústrias querem. O sensacionalismo barato das redes sociais muitas vezes impele os usuários a realizar ações de maneira quase automatizada.
E, claro, as redes sociais não são apenas nocivas. Assim como muitas outras coisas na vida, tudo depende do uso e do propósito para o qual são utilizadas. Em Decadência, todos esses elementos, que denotam a crueldade da indústria do entretenimento, vão deixando o protagonista cada vez mais angustiado e sem perspectiva de futuro. Mas para quase tudo há uma solução, e sempre pode existir uma luz no fim do túnel.
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